A História da Cultura de Paz na Justiça do Trabalho

Por Luiz Antonio Loureiro Travain *

A Justiça do Trabalho é reconhecida como a pioneira no desenvolvimento de mecanismos de métodos alternativos de resolução de conflitos e disputas no Brasil. Além disso, a Justiça do Trabalho, costumeiramente, mantém-se entre os maiores índices de conciliação ao longo das décadas em todo o Poder Judiciário.

Esse processo evolutivo e estrutural da Justiça do Trabalho, como veremos no presente artigo, caminharam juntos com a dinâmica construtiva de uma Cultura de Paz. Como veremos, essa afirmação decorre de todo o arcabouço histórico da Justiça do Trabalho (e até mesmo antes de sua instituição). Evidentemente, o presente estudo será superficial, na medida em que a história da Cultura de Paz na Justiça do Trabalho é repleta de detalhes que tornariam o presente estudo demasiadamente alongado.

As chamadas ADRs (Alternative Dispute Resolution) ou MASCs (Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos) foram e são as linhas mestras de todo o desenvolvimento histórico da Justiça do Trabalho. O princípio da conciliação, de igual forma, caminhou com notável presença em toda a história da Justiça do Trabalho (também, desde pouco antes de seu surgimento).

A análise histórica da Justiça do Trabalho brasileira remonta ao início do século XX, quando estavam se consolidando a categoria dos trabalhadores rurais, impulsionada pela Lei de sindicalização rural, de 1903. Além disso, outras categorias estavam sendo impulsionadas e organizadas em sindicatos, em razão do Decreto nº 1.637 de 05 de janeiro de 1907.

Nesse cenário político-econômico, em 1918, foi criado o Departamento Nacional do Trabalho com a publicação do Decreto nº 3.550, de 16 de outubro de 1918 e assinada pelo presidente da República, Wenceslau Braz P. Gomes.

Em 1923, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, com a edição do Decreto nº 16.027, de 30 de abril de 1923. Esse interessante Decreto já trazia a atividade de pacificação e prevenção de conflitos, prevendo em seu artigo 2º a utilização de “systemas de conciliação e arbitragem, especialmente para prevenir ou resolver as paredes, trabalho de menores, trabalho de mulheres, aprendizagem e ensino technico, accidentes do trabalho, seguros sociaes” (in verbis — texto em seu original à época). Esse normativo previa também a composição paritária entre empregados e trabalhadores, sendo, de certa forma, a semente cultural das Juntas de Conciliação e Julgamento. Tinha natureza meramente opinativa.

Desde os primórdios, esse normativos eram regidos pela ideologia de pacificação nas relações de trabalho, nas suas mais variadas formas. Isso nos remete à construção da Cultura de Paz e Conciliação. O empoderamento social e coletivo dos trabalhadores eram contemporâneos ao fomento aos sistemas de conciliação e arbitragem e, claro, a criação dos sindicatos.

Com esse movimento e fortalecimento sindical, Getúlio Vargas publicou o Decreto nº 21.396, de 12 de maio de 1932, que trouxe importantes implicações sobre o atual tema resolução harmônica de conflitos nas relações de trabalho. Trouxe, já em seu artigo 1º, a previsão de “Comissões Mistas de Conciliação, às quais incumbirá dirimir os dissídios entre empregadores e empregados”.

Um fato histórico curioso, é que o Decreto nº 21.396, de 12 de maio de 1932, carregava uma semente do que veio a ser, de uma certa forma e guardadas as diferenças, o Princípio da Confidencialidade: “Art. 12. As sessões das Comissões serão secretas, mesmo para os suplentes que não estiverem em exercício.” Além disso, criou todo o procedimento para a realização da sessão de conciliação.

Além dessas inovações, o Decreto de 1932 desenhava um procedimento similar ao atual Med-Arb, ou seja, havia a sessão de conciliação ou mediação e, em caso de não pacificação, a possibilidade de continuidade em regime de heterocomposição via juízo arbitral: “Art. 14. Verificada a impossibilidade de conciliação, do que, igualmente se lavrará ata, por todos assinada, o presidente da Comissão proporá às partes submeter o litígio a juízo arbitral.” O caminho para uma Cultura de Paz e Conciliação nas relações trabalhistas estava sendo fortemente pavimentado, sendo erigida, em 1934, ao ápice da pirâmide normativa nacional.

Assim, a Constituição Federal de 1934 instituiu a Justiça do Trabalho em seu artigo 122, prevendo em seu parágrafo único a atividade conciliatória e a composição paritária da Justiça do Trabalho. A conciliação trabalhista foi elencada à previsão e status constitucional desde os primórdios da Justiça do Trabalho, antes mesmo de sua efetiva instalação, que ocorreu somente em 1º de maio de 1941, por Getúlio Vargas. A Cultura de Paz e Conciliação inegavelmente foi sua semente ideológica histórica.

A Constituição Federal de 1946, por sua vez, incluiu, sob o enfoque de status constitucional, a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário, estruturando-o. Previu a criação das Juntas de Conciliação e Julgamento precisamente no artigo 122, §3º: “§ 3º — A lei instituirá as Juntas de Conciliação e Julgamento podendo, nas Comarcas onde elas não forem instituídas, atribuir as suas funções aos Juízes de Direito.”

Além disso, ainda representando os frutos da semente ideológica do desenvolvimento da Cultura de Paz e Conciliação, o artigo 122 descreveu a competência da Justiça do Trabalho para: “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial”.

A estrutura da Justiça do trabalho passou a ser judiciária e com a participação paritária de representantes de empregados e empregadores, conforme fora descrito por Getúlio Vargas, em 1941.

Seguindo-se a mesma dinâmica evolucionista, em 1º de maio de 1943 foi assinado o Decreto-Lei nº 5.452, a Consolidação das Leis do Trabalho. Como sabemos, além de muitas outras previsões, trouxe todo um mecanismo de resolução harmônica de conflitos, baseando-se o processo do trabalho no princípio da conciliação.

Com o advento do Decreto-Lei nº 8.987-A, de 1946, concedeu-se aos sindicatos a obrigação de “promover a conciliação nos dissídios de trabalho” (ex vi da alínea “a”, do artigo 514, da CLT).

A Constituição Federal de 1967, trouxe a composição da Justiça do Trabalho, mantendo-se seu viés de pacificação via conciliação e paridade de representação com Juntas de Conciliação e Julgamento. Quanto a competência, adotou texto similar ao previsto no artigo 122, da Constituição Federal de 1946.

A Constituição Federal de 1988, em seu turno, manteve as Juntas de Conciliação e Julgamento até o advento da emenda Constitucional nº 24, de 1999, que extinguiu a paridade classista e os juízes vogais. Com isso, foram substituídas as Juntas de Conciliação e Julgamento por Juízes do Trabalho. A Junta de Conciliação e Julgamento passou a ser denominada de Vara do Trabalho. Logicamente, o processo do trabalho manteve a previsão de tentativas de conciliação a serem realizadas pelos juízes do trabalho. O princípio da conciliação ficou incólume.

A Lei Federal nº 9.958/00, de 12 de janeiro de 2000, dispôs sobre as Comissões de Conciliação Prévias e os Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhistas — NICT, todos com composição paritária. Aqui, manteve a ideia raiz de formação e estrutura paritária. A atividade precípua desses órgãos paritários é a tentativa de conciliação. A mens legis, dessa lei, claramente, é o próprio princípio da conciliação.

No ano de 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 125/2010. E, em 2016, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho editou a Resolução nº 174/2016. Estes dois normativos traçaram a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos e Disputas de Interesses, trazendo grandes inovações estruturais e pavimentando com primor o caminho para um futuro mais pacífico, onde as relações em conflito, poderão ser sanadas de forma mais técnica e humanizada, com visão prospectiva e sistêmica.

Essas Resoluções foram os divisores de águas no que tange a política judiciária, pois elencaram de forma positivada a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos e Disputas de interesses.

A Resolução nº 125/2010, do CNJ, preconizou a criação e estrutura dos Núcleos Permanentes de Métodos de Solução de Conflitos de interesses ou NUPEMECs. Previu também a criação e a estrutura dos Centros Judiciários de Resolução de Conflitos de Interesses — CEJUSCs. A Justiça do Trabalho, em vários Regionais, havia adotado o normativo do Conselho Nacional de Justiça para desenvolver essa nova dinâmica de fomento de Cultura de Paz e Conciliação, criando e instituindo os NUPEMECs e CEJUSCs.

Todavia, em 08 de março de 2016, a Resolução nº 125/10, do CNJ, sofreu algumas alterações advindas da Emenda 2. Dentre as alterações, foi a exclusão da aplicação do referido normativo à Justiça do Trabalho.

Nesse cenário, a Justiça do Trabalho e todo o seu pioneirismo de conciliação e mediação ficou, de certa forma, sem documento normativo sobre a sua Política Judiciária de Tratamento Adequado de Conflitos.

Diante da lacuna, entrou em cena o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que, de forma bastante técnica e prospectiva, editou a Resolução nº 174, de 30 de setembro de 2016. Essa norma dispôs da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado das Disputas de Interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista. O normativo específico à Justiça do Trabalho, elencou os Núcleos Permanentes de Métodos de Solução de Disputas (e não mais “conflitos”, como constava na Res. nº 125/10, do CNJ) de interesses. Embora tenha sido alterada a terminologia “conflito” para “disputa”, a sigla NUPEMEC continuou a vigorar na norma, porém, com o acréscimo de um sufixo: “JT”. Passou-se a designar NUPEMEC-JT. O mesmo ocorreu com os Centros Judiciários de Solução de Conflitos no âmbito da justiça do Trabalho, que passaram a adotar, invés de “conflitos” a terminologia “disputas”. De toda a sorte, o sufixo “JT” acompanhou os CEJUSCs trabalhistas em sua designação, passando a ser, portanto: CEJUSC-JT. Houve recentes alterações na Resolução nº 174/16 do CSJT, com o advento das Resoluções nº 141/20 e nº 288/21, ambas do CSJT.

Para concluirmos nossos estudos, cumpre-nos ressaltar que, com o advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), foi inserida na CLT, dentre outras alterações, os artigos 855-B a 855-E que dispõe sobre a jurisdição voluntária instituindo o processo de homologação de acordo extrajudicial, que, em muitos Tribunais Regionais do Trabalho, poderão ser homologados nos CEJUSCs ou nas Varas do Trabalho, representando mais um avanço na disseminação da Cultura de Paz e Conciliação.

Essa evolução da Cultura de Paz na Justiça do Trabalho, seguramente, continuará e surtirá excelentes frutos muito em breve. Isso porque, com o advento do Programa Justiça 4.0 encabeçado pelo Conselho Nacional de Justiça, poderemos vislumbrar CEJUSCs e NUPEMECs integralmente digitais e, num futuro não muito distante, a utilização de ferramentas de inteligências artificial em prol da pacificação dos conflitos e disputas trabalhistas. Outras dinâmicas essenciais caracterizarão o futuro da Justiça do Trabalho, tais como os mecanismos de Resolução de Conflitos On-line e mecanismos de Redes Neurais Artificiais voltadas para a tomada de decisão e gestão estratégica de conflitos e disputas. Isso permitirá a continuidade do avanço da Cultura de Paz no âmbito da Justiça do Trabalho e de toda a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Disputas Trabalhistas.

* Luiz Antonio Loureiro Travain é doutorando em Direito Econômico e Empresarial pela Universidade Internacional Ibero-americana, é mestre em Resolução de Conflitos e Mediação pela Universidad Europea del Atlántico, Santander, Espanha. Pós graduado em Conciliação, Mediação e Arbitragem e Pós graduado em Direito Educacional. Vencedor do Prêmio Conciliar é Legal, X Edição, na categoria instrutores de mediação e coautor do projeto premiado, também, na X Edição, na categoria Tribunais Regionais do Trabalho. Também foi coautor de outros projetos premiados pelo Conselho Nacional de Justiça em outras edições do Prêmio Conciliar é Legal. É analista judiciário, diretor do Núcleo Permanente de Método Consensuais de Disputas do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Autor de vários livros sobre o tema.

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